terça-feira, novembro 28, 2006
Apenas amigos
- Isso aqui... nossa! Quanto tempo! Você também lembra?
- Sim, claro. Brincávamos juntos a tarde toda por esse quintal.
- É. Nos sujávamos e aí tomávamos um banho de mangueira para depois mergulharmos na piscina. Nem dava pé pra gente.
- Já engoli tanta água dessa piscina...
Eram amigos desde os 3 anos de idade. Estudaram juntos, sempre foram ótimos amigos. Agora regressavam à casa onde passaram infinitas tardes de férias sob o mais escaldante sol da região dos lagos, com o cheiro de sal que vinha das salinas vizinhas. Traziam seus respectivos conjugues junto, um fim de semana entre amigos, uma véspera de Natal.
- Isso tudo parecia maior – disse Carlos.
- É lógico, éramos muito pequenos.
- É estranho, muita coisa por aqui mudou. Nós mudamos, não é mesmo? Mas ainda sinto uma vontade de correr e me jogar na grama, lutar com inimigos invisíveis usando um pedaço de pau como espada.
- Hahaha, ia ser uma bela cena a ser assistida! – observou Elisa.
- Com licença, eu vou ao banheiro – disse Luiz, marido de Elisa, já se levantando da mesa. Depois de cinco latinhas de cerveja a situação fica um pouco complicada!
- Sim, claro, daqui há pouco sou eu!
- Vou aproveitar e fumar um cigarro lá fora, tudo bem?
- Vai nessa.
Marta se apoiou no braço da cadeira e por pouco não desabou no chão. Estava meio tonta com o álcool. Caminhou pela sala e passou pela porta que dava para o quintal. Em frente, a piscina. Puxou um cigarro e hesitou em acendê-lo. Pensou nas recordações que seu marido estava tendo com Elisa e sentiu-se enciumada. Puxou o isqueiro e queimou a ponta do cigarro, tragando-o vagarosamente. A noite estava fresca e silenciosa, e ela pôde ouvir a brasa queimar sob o céu estrelado. Ouviu também as gargalhadas de Carlos e Elisa lá dentro. “São só amigos”, suavizou.
Luiz também deixa a casa e caminha em direção a Marta. Traz consigo duas latas de cerveja.
- Quer uma?
- Ah, obrigada! Eles ainda estão lá, relembrando os maravilhosos tempos de infância?
- Sim, estão se divertindo horrores.
- Pois eu, não.
- Você é muito difícil de agradar.
- Não sou não. Eu apenas gostaria de me incluir na conversa, mas não participei dessas histórias.
- Eu entendo.
- Você acha que há algo entre os dois?
- Creio que não. São apenas grandes amigos, praticamente irmãos.
- Assim espero. Não ia gostar nada de descobrir um caso entre eles.
- Hahaha, hipócrita!
- Hipócrita nada! O que há entre nós dois não é um caso, Luiz!
- Ah, você interpreta assim? Vai dizer também que não tem mais atração por mim, que essa armação toda de você vir aqui pra fora só para me dar um beijo não quer dizer nada?
- Eu ainda não te beijei...
- Questão de tempo. Termina logo esse cigarro.
- Pronto. Vamos um pouco mais pra lá onde eles não podem nos ver.
Enquanto isso, dentro da casa, os dois amigos continuam apenas amigos. Existe um grande elo de união entre os dois, um elo de carinho e respeito, acima de tudo. A cerveja, agora, os acompanha.
Cidade milagrosa!
De volta à realidade, garotão. Esqueça o mundo, esqueça o suor escorrendo pelas costas e molhando sua bunda. Esqueça, olhe ao seu redor e busque alguma razão para este dia existir. Uma televisão ligada dentro de uma loja exibe aquele famoso desenho animado, Cinderela, mas que contraste! Como se fosse um cinema ao ar livre, alguns meninos assistem ao filme sentados no canteiro da calçada, brilhando com poças de suor pelos corpos praticamente nus, perguntando a si mesmos se não seria uma miragem causada pelo calor. Estão fascinados. São crianças descobrindo a infância, finalmente, com seus cigarros empunhados, um reles brinquedo que solta fumaça ou um sinônimo de maturidade, prestam atenção, se empurram, riem e se divertem.
Eles não querem voltar à realidade. Isso mesmo, durante a próxima hora, esqueçam o mundo que lhes chuta no traseiro, esqueçam a falta de sorte e assistência. Vocês ainda são crianças e têm este direito. Levantem os braços e agradeçam o milagre oferecido pela Cidade Maravilhosa. São lágrimas nos meus olhos? Não, não, deve ser suor.
quinta-feira, novembro 23, 2006
Entrevista com o vampiro
“...”
“de uns tempos pra cá, eu comecei a escrever textos aleatórios, sem muito compromisso, quer dizer, o único compromisso é comigo mesmo e minha autocrítica, e tomei o hábito de ler. tenho lido muito, devo ter lido mais de trinta livros esse ano, provavelmente. assim se aprende, assim você adiciona palavras ao seu vocabulário e, pô, eu decidi aprender a falar a minha própria língua, isso é estranho mas totalmente compreensível.”
“...”
“estar em contato durante mais tempo com as palavras ajuda muito a eloqüência, você não fica “moscando” meia hora tentando lembrar tal palavra, você simplesmente a substitui por outra, isso é muito legal. tenho muita admiração por um professor que tive na faculdade, o cara nunca parava de falar, digo, nunca emperrava com aqueles “ééééééé”, “aaaahhhmmmm”, “como é mesmo?”. o cara tinha palavra pra tudo!”
“...”
“pois então, eu tava fazendo a grade de horário na faculdade e tinha que pegar uma optativa, eletiva, sei lá, aí vi ‘Oficina de Texto’ e pesquisei sobre a matéria, perguntei para alguns amigos se eles já haviam feito essa cadeira, e alguns já haviam feito e dividiram opiniões. os jornalistas gostaram, a maioria dos publicitários não, porque diziam que era muito voltado para jornalismo. naturalmente, eu pensei. decidi arriscar e, agora que estou praticamente terminando a matéria, tenho também uma opinião positiva, apesar de estar me formando em publicidade período que vem.”
“aprendi, ou pelo menos exercitei mais os meus textos jornalísticos, mesmo não curtindo muito essa onda, mas com certeza é uma soma às minhas habilidades, hahaha!, ao mesmo tempo em que, no momento em que a professora liberou a possibilidade de escrevermos crônicas e textos livres, eu passei a escrever o dobro de textos que escrevia antes, espremendo o cérebro para arranjar assuntos interessantes – e muitas vezes não arranjei – e lidando diretamente com a criatividade, algo que eu prezo muito e considero uma das mais valiosas características de um ser humano.”
“mesmo já escrevendo letras em português há 6 anos, esta aula me incentivou a esmerá-las ainda mais, a fugir do óbvio e a driblar uma certa crise de inspiração que me assolava há uns meses, hehehe! agora já estou tentando bolar um jeito de escrever um texto de trás pra frente, de baixo pra cima. o problema é fazer com que ele tenha algum sentido! a língua portuguesa como um origami, eu devo ta ficando doente, um pouco mais doente.”
“...”
“sim, claro, escrevemos algumas resenhas e releases também, engraçado, porque também é algo que eu costumava fazer direto. enquanto o pessoal tava naquela febre de fotolog, eu fiz um pra mim e comecei a resenhar alguns CDs que tenho na minha coleção. a galera adorou e muita gente passou a conhecer algumas bandas por causa do meu fotolog de resenhas. releases, eu já enjoei de escrever releases para as minhas bandas, aliás, o último que eu escrevi eu gostei muito. é um release interessante porque conta praticamente toda a história da banda num texto sem pontos finais, dividido somente por vírgulas e alguns parênteses, o que dá mais velocidade ao texto e prende bem mais a atenção de quem lê. acho isso legal, fugir dos padrões, bater na cara do óbvio e do modelo. eu espero que outras pessoas que tenham feito essa aula de Oficina de Texto tenham pulado esse muro também. o problema é que, cá pra nós, jornalistas, em geral, são muito caretas e metódicos, muito disciplinados. falo mesmo!”
terça-feira, outubro 10, 2006
Era uma vez um título grande que não tinha muito a ver com o que se via por aí
É aquela velha história. A professora passa uma tarefa, eu escolho fazer uma crônica e, como em 90% das vezes, o tema é livre. Eu inevitavelmente já estou caindo no clichê de escrever sobre a própria vastidão de idéias que me vêm à cabeça, sobre como é difícil focar em nosso objetivo quando simplesmente não existe um. Minha meta é apenas escrever. Pior, escrever da minha maneira, que nem sempre é bem vista.
Já enjoei de discorrer sobre a árdua arte de perseguir uma temática. Não o farei de novo. Já o estou fazendo. Caindo em contradição, mais uma vez. Aposto que daqui sairá mais um texto que, por puro capricho do destino, deverá ser impresso e de certa forma imortalizado – sem merecer – em vez de ser amassado e largado numa lata de lixo.
Por falar nisso, um outro dia eu estava martelando umas teclas e fiz uma mistura de frases na tela do computador. Só faziam sentido para mim. Imprimi e reli com cuidado. Sorri, amassei e joguei no lixo. Na sexta-feira passada eu fiz o mesmo, mas escrevi a lápis num caderno. Foi durante uma aula e eu estava com sono, muito sono, e escrevi um monte de bobagens e palavrões, falei mal de um monte de gente e nem isso fez sumir a imagem da minha cama, ah, minha bela cama! quentinha e desarrumada, que rodava em minha cabeça, tão nítida que eu podia sentir seu peso, pronta para um mergulho como se fosse um lago cristalino. Cheguei em casa e dissequei essas palavras por um tempo. Eu só queria dormir, então arranquei o papel do caderno com um som rascante e o amassei com toda a força que ainda tinha nas mãos. Levantei a tampa da cesta de lixo e me deparei com uma folha embrulhada. Surgiu uma exclamação, e logo depois uma interrogação. Me abaixei e peguei a folha. Ao abri-la, lembrei do que havia escrito há dias atrás. Tanta coisa que eu julguei sequer ter merecido poluir uma folha tão branca, uma lasca de árvore, um pedaço de vida borrado por trivialidades. Os fatos tornaram-se desinteressantes, ultrapassados. Assim é a vida, na maioria das vezes. Me deu pena e raiva, ao mesmo tempo. Quis me machucar, mas estava cansado demais para isso. Dormi com as duas folhas nas mãos.
Eu tento evitar, mas é impossível. Começo a redigir um texto e tenho vontade de entortá-lo, de destruir a sua forma, de chamá-lo de monstro e feio e solitário e cretino e ouvir o que ele tem pra dizer depois disso tudo. Ele não se arrisca a dizer nada, é um fraco. Sabe que se abrir a boca ele vai direto pro lixo e nunca chegará a ser nada. É assim que as coisas funcionam sob o meu controle.
Já passou aquela fase da redação escolar. Ei, tantas linhas, titulozinho bonito, parágrafo com um dedinho de espaço da margem, blá, blá, blá e eu odiava isso tudo, mas acabava escrevendo porque não podia puxar a orelha da “tia” e dizer que isso é podre. Tá certo, as crianças têm que aprender a escrever corretamente, mas deveriam ser dados uns exercícios mais livres, onde elas pudessem sair rabiscando toda e qualquer palavra que viesse à tona e fossem incentivadas a ler mais. Eu nunca fui incentivado a ler. Na verdade, eu fui FORÇADO, um pequeno menino indefeso tendo de lidar com as palavras espinhentas de Machado de Assis, com os labirintos poéticos de Olavo Bilac e outros mais que a literatura brasileira adora enaltecer e puxar o saco. Tudo bem, eles deviam ser bons, aliás, passei a gostar de Machado de Assis depois da escola, quando pude lê-lo por livre e espontânea vontade, sem prazo de tempo, sem outros deveres e obrigações. Aí foi legal.
Aqui se vai mais um texto comum, mais palavras vomitadas por mim, mais estrago. Dessa vez, pelo menos, uso uma bela formatação, algo até certo ponto acadêmico. Sou o grande colecionador de linhas vermelhas do Word, de propósito mesmo. Ainda estou dando uma colher de sopa por usar letras maiúsculas. Normalmente eu as desprezo. Tão altivas, tão desiguais e opressoras. Pronto, hoje é o dia delas. Celebrem, dancem e bebam e rodem, mas não abusem. Por favor, me respeitem. Assim terão chances de ser poupadas mais vezes. É fácil, não faço muita revisão. É assim que as coisas funcionam sob o meu controle.
terça-feira, maio 02, 2006
Às 3 da tarde, pela 3ª vez, no caixa 3 para pagar 3 contas
quando se toma o hábito de ler e escrever, as ações cotidianas passam a ser observadas de maneira peculiar. as vidas geram intertextualidades, crônicas isoladas ou até mesmo livros, bíblias da rotina. nossos olhos são câmeras, são lápis e borrachas, rabiscando páginas invisíveis, tecendo comentários particulares, monólogos.
então eu desci pelo elevador e em pouco tempo estava na rua. tomei vento no rosto, que trouxe poeira mas também trouxe frescor. passei pela banca de revistas e jornais e vi alguns exemplares de “On the road”, de Kerouac. sorri discretamente para eles. ainda estou lendo o meu.
fiz o caminho já decorado. dobrei a esquina à direita, segui em frente até a próxima esquina, atravessei para a “ilha” e desci para a frente do shopping. continuei à direita e cheguei ao banco. não esperava uma fila tão grande às 3 da tarde. da ante-sala, observei os rostos fatigados, castigados, desalentados de quem está ali para perder e não para ganhar. são as tais crônicas errantes, cada qual com sua idiossincrasia. bufei e olhei ao meu redor. parecia que tudo estava ocupado. me enfiei na fila para o saque. não andava. uma mulher falava alto com um funcionário, mas não de maneira grosseira. apenas alto, e isso me incomodava. a fila não andou quase nada e percebi que estava no lugar errado, e não no fim da própria, como deveria estar. me desloquei e olhei através da porta de vidro para a rua. encontrei uma outra banca de jornais e decidi dar uma olhadinha mais de perto. fui até lá e peguei uns livros já conhecidos mas não lidos, fitei as capas, os preços, a poeira. são livros que ainda quero ler, mas ando meio sem grana. qualquer dia.
voltei ao banco e a fila parecia não se mover. tive a brilhante idéia de sacar o dinheiro no shopping, então tornei a sair à rua, entrei no shopping e, só para confirmar minha simples teoria de que sempre terá alguém que chegou antes de você, na sua frente, fazendo o que você gostaria de estar fazendo, dei de cara com uma mulher encostada ao caixa. o caixa ao lado estava vazio, felizmente. testei o cartão e a máquina não o aceitou. forcei mais uma vez e nada. parecia bloqueada. bufei de novo e me firmei às costas da mulher no caixa da esquerda. que demora. que demora. “quer ajuda?”, pensei em perguntar, mas ela logo se virou e me atacou primeiro. “essa caixa aí não ta funcionando”? “acho que não”, respondi, “tentei colocar o cartão mas ele não entrou”. “vou tentar de novo”, e assim o fiz e o maldito cartão entrou pela gavetinha, feliz por estar sendo útil. realizei o que tinha de ser feito e saí do shopping, rumo mais uma vez ao banco.
entrei pela 3ª vez no estabelecimento e a fila para o saque estava completamente vazia. esse Murphy era um filha da puta de alta categoria pra perceber algo tão óbvio e tão sarcástico que o simples fato de criar uma “lei” com seu nome já soa como brincadeira. dei um “boa tarde” para uma funcionária que estava do lado da porta rotatória, segurei a mochila nas mãos e passei. agora o negócio era encarar a fila-mãe, intimidadora, incomensurável. vagarosamente, pisei em cima da faixa amarela escrita “entrada” e bufei pela terceira vez. não há muito o que se fazer numa fila de banco. as pessoas geralmente tentam criar assuntos em torno da demora, dos problemas do banco, da ineficiência de fulaninho ou fulaninha, gostam de botar a culpa no presidente mesmo sem saber por quê, etc. são assuntos que eu me limito a aquiescer, dizer um “é”, dar uma risadinha carismática ou simplesmente emitir um suspiro.
olhei para os caixas. no caixa 1, a mesma vesguinha da semana passada, com um aparelho adolescente nos dentes e cara de séria. no caixa 2, uma gordinha simpática pra caramba, atochada na cadeira por trás do balcão. bem baixinha, aparentemente, e muito ágil com seu milhão de dedos batendo freneticamente no tecladinho à sua frente. no caixa 3... ah, não acredito! é ela mais uma vez! uma morena lindíssima que me atendeu na semana passada, com a voz doce e um olhar curto, porém direto, uma certeza absurda de que é o centro das atenções masculinas, meninos, adultos, coroas, pedreiros, pintores, engenheiros, office boys, serventes, advogados, porteiros e o caralho a quatro, assim como modelo de inveja para a maioria das mulheres presentes. ela me cativou na semana passada e me cativa agora, com sua boca desenhada, sua atenção no trabalho, suas mãos bem cuidadas, suas sardas no colo, entre os pequenos, bem pequenos seios que tornam-se grandes desejos quando vistos de perto, imaginados nus e beijados. apenas sua sobrancelha lhe atribui um ar irreal, algo artificial naquele rosto meio índio, meio boneca, meio simples até, mas que se destaca dentro do banco monótono e a transforma na dona do universo.
a fila ia andando. seria muita coincidência ser atendido por ela mais uma vez. sabe como é aquele esquema de banco, quatro caixas que, assim que liberadas, apertam um botão na mesa e projetam o número do caixa livre numa espécie de placar eletrônico. impossível saber onde você irá cair. mas ainda faltava muito, a fila andava com um desânimo intenso, um tédio profundo. não dá pra se manter parado, então comecei a buscar mais informações ao meu redor. nada muito interessante, nada mais interessante que ela, a caixa número três, a morena linda das mãos cuidadas e sujas de tanto mexer em dinheiro. eu olhava para ela incontrolavelmente, ainda tentava disfarçar mas era ridículo. tentei fitar o chão, vi meus pés nos chinelos comprados num tal Bar do Zé, em Arraial do Cabo, um desespero. achei meus pés mais feios do que costumava achar. como se imantados, meus olhos se ergueram do chão indo direto ao encontro da moreníssima. ela estava mexendo em um monte de papéis, arrumando um chumaço agregado por um elástico. ela olhou pra mim também. tudo parou por um instante até que eu conseguisse piscar os olhos e balançar a cabeça, como se estivesse saindo de uma divagação absurda sobre a origem da Terra, os animais, as plantas, os homens, as sociedades, a globalização e o fim de tudo, a superfície sendo sugada por um buraco imenso no meio da maior potência internacional, como um ânus que em vez de cagar chupa toda a merda pra dentro.
bom, ela olhou pra mim também, eu tenho certeza! desviei o olhar para uma mulher baixinha à minha direita, totalmente por acaso, e encontrei um seio quase à mostra por uma fenda larga entre seu corpo e a camiseta rosa, ou sei lá que diabos era aquilo que ela estava usando. uma mulher negra, corpulenta, de mãos grandes e pés bastante castigados, mas com unhas muito bem feitas, percebeu meu experimento e me lançou um olhar de reprovação, como se eu fosse um aproveitador. não, não estava nem um pouco interessado neste pedacinho de carne prestes a pular para a vida, não, não, não! na verdade só estou aqui passando meu tempo, trocando mensagens codificadas com a caixa número três enquanto não sou atendido, tentado driblar o óbvio e focar meus olhos em outros lugares. foi pura loteria!
agora não faltava muito. 3 pessoas na minha frente. o placar mostra o número 1, e logo em seguida o 3. e se ela me atender de novo? coincidência? devo dizer algo a ela? ela se lembraria de mim? “ela me olhou de novo, acabou de olhar!”, comprovei. que porra de brincadeira é essa? será que ela percebeu que eu estou me entretendo com ela à distância? ela sabe que é linda, sacana. o placar mostra o número 2. o próximo sou eu. sim, eu devo dizer algo a ela. direi “oi”, ou “olá”, “boa tarde”, algo assim. pisca o número 3, em pequenas luzinhas vermelhas com uma seta à esquerda. inacreditável. a partir de hoje, devido a este golpe do destino, deverei abdicar do meu número amado, o 7, para abraçar o 3. vou andando bem devagar. de toda a excitação e empolgação que eu estava guardando para dizer um “oi”, só usei 5%. saiu uma palavra chocha, inaudível e, conseqüentemente não respondida. passei os boletos para ela. muito atenciosa, profissional essa mulher. desci meus olhos para suas sardas perfeitas, e como eu adoro pintinhas. estou sendo indiscreto, será? olhei para cima, para os lados, para ela. estava concentrada, mas com um pequeno sorriso nos lábios brilhantes. passei o segundo boleto pela placa de acrílico. vou escrever sobre você, e vou te tirar daqui. você fará parte de um texto meu, o grande jovem escritor, nem sequer ainda formado na faculdade de publicidade, mas que ganhará o diploma e o enfiará em algum buraco porque ele quer mesmo é viver escrevendo ou ser músico. você vai ficar famosa, a musa do caixa três, se aproveitará disso tudo e casará com algum ator de novela ou jogador de futebol, sua ingrata, e aparecerá freqüentemente em revistas de fofoca. ei, eu vou salvar você!
paguei a 3ª e última conta e dessa vez o meu “obrigado” foi respondido com um inesquecível “de nada”, seguido de um “tchau” e acompanhado por um olhar derradeiro. que mel, que estranheza, que atípico. caí em mim e dei logo o fora daquele lugar. atravessei as ruas vagarosamente, ainda em choque pelo incidente. o que estava acontecendo? o que o tédio não faz com a gente. quantos detalhes, quantos minutos, quase uma hora! o coração batia forte por uma mulher que deve ter nascido pelo menos uma década antes de mim. perguntas surgiam, brotavam como bolhas depois de jogado sal de frutas na água. de onde será que ela é? o que será que ela faz enquanto eu sento no meu quarto e como dúzias de chocolates, deixo minha cara cheia de espinhas? será que tem alguém, algum namorado, noivo, marido? uma crônica nunca lida por mim, mas, como os livros da banca, um dia eu a quero ler.
sexta-feira, janeiro 13, 2006
Amidalites, pro inferno!
são 3:35 da manhã e eu estou lamentando a maldita amidalite que me venceu. gritos, cervejas e cigarros não formam uma boa combinação, e eu já havia aprendido isso há tempos. apenas me recuso a evitá-la. ela me conquista, me testa e sabe que sempre irei ceder.
pois bem, hoje quando me levantei achei que tivesse com um par de meias socado no gogó. a sensação era parecida. ensaiei um murmúrio e constatei que precisava ir ao banheiro cuspir todo aquele pus e saliva que me impedia de respirar tranqüilamente. fi-lo. meu rosto no espelho não estava mal, apesar da barba rala. levemente corado e estranhamente “liso", ou melhor, sem muitas espinhas. acho que consegui me desvencilhar de minha adolescência.
resolvi tomar logo um antibiótico numa atitude desesperada. 500 mg de algum composto químico milagroso jaziam na palma de minha mão, na aterrorizadora forma de um comprimido gigante. acho que os caras que inventam esse tipo de coisa esquecem que quem irá tomá-las são pessoas com apenas 0.5 cm de espaço livre entre as amídalas para a passagem de alimentos, ou líquidos. muito obrigado!
não senti fome, e nem poderia sentir. tentei engolir um pouco de saliva e a dor me convenceu de que talvez não fosse tão mal passar um dia em jejum. talvez fosse mais prudente. bebi uns goles d’água – temperatura ambiente – que desceram como um enxame de abelhas goela abaixo. eu precisava resistir.
minha barriga começou a roncar e então experimentei abrir a geladeira e procurar algo não muito sólido. nada. nem um iogurte ou coisa parecida. lembrei que também não deveria ser nada muito gelado, e então fechei a porta. nada no armário, igualmente. hoje não é meu dia, pensei. já estou fodido mesmo, bem, fodido e meio, então. reabri a geladeira e busquei algumas coisas para preparar uma pizza de frigideira. montei a desgraçada e olhei pra ela fixamente por alguns segundos. eu podia ouvi-la, saboreando as palavras: “me coma, me coma... se puder”. sacrifício! desejei com todas as minhas forças que essa pequena pizza pudesse ter o poder de me alimentar e saciar minha fome durante o resto deste maldito dia.
era como tentar passar uma cadeira pelo gargalo de uma garrafa de refrigerante. deixei um copo de mate em cima da pia durante todo esse tempo para que não ficasse tão gelado. não adiantou, mas não liguei muito pra isso e bebi do mesmo jeito. dane-se. rebeldia, pô! é isso aí! “e agora eu vou fazer nada”.
amidalites me tiram o ânimo pra fazer qualquer coisa. tentei assistir a um filme, mas o telefone não deixou. me rendi e acabei saindo pros arredores de casa. pouco tempo depois estava de volta. precisava beber um pouco. a cerveja estava ali do lado, podia sentir o cheiro e até mesmo o gosto... foi melhor voltar.
estou perto de tomar uma grande decisão. acho que vou tirar minha amídalas. elas não servem pra nada, nunca serviram. cansei. talvez faça um chaveiro com uma delas.