terça-feira, novembro 28, 2006

Apenas amigos

Pegou a caneca com cerveja até a borda e deu um belo gole. Deu um suspiro e virou a cabeça para os lados.
- Isso aqui... nossa! Quanto tempo! Você também lembra?
- Sim, claro. Brincávamos juntos a tarde toda por esse quintal.
- É. Nos sujávamos e aí tomávamos um banho de mangueira para depois mergulharmos na piscina. Nem dava pé pra gente.
- Já engoli tanta água dessa piscina...
Eram amigos desde os 3 anos de idade. Estudaram juntos, sempre foram ótimos amigos. Agora regressavam à casa onde passaram infinitas tardes de férias sob o mais escaldante sol da região dos lagos, com o cheiro de sal que vinha das salinas vizinhas. Traziam seus respectivos conjugues junto, um fim de semana entre amigos, uma véspera de Natal.
- Isso tudo parecia maior – disse Carlos.
- É lógico, éramos muito pequenos.
- É estranho, muita coisa por aqui mudou. Nós mudamos, não é mesmo? Mas ainda sinto uma vontade de correr e me jogar na grama, lutar com inimigos invisíveis usando um pedaço de pau como espada.
- Hahaha, ia ser uma bela cena a ser assistida! – observou Elisa.
- Com licença, eu vou ao banheiro – disse Luiz, marido de Elisa, já se levantando da mesa. Depois de cinco latinhas de cerveja a situação fica um pouco complicada!
- Sim, claro, daqui há pouco sou eu!
- Vou aproveitar e fumar um cigarro lá fora, tudo bem?
- Vai nessa.
Marta se apoiou no braço da cadeira e por pouco não desabou no chão. Estava meio tonta com o álcool. Caminhou pela sala e passou pela porta que dava para o quintal. Em frente, a piscina. Puxou um cigarro e hesitou em acendê-lo. Pensou nas recordações que seu marido estava tendo com Elisa e sentiu-se enciumada. Puxou o isqueiro e queimou a ponta do cigarro, tragando-o vagarosamente. A noite estava fresca e silenciosa, e ela pôde ouvir a brasa queimar sob o céu estrelado. Ouviu também as gargalhadas de Carlos e Elisa lá dentro. “São só amigos”, suavizou.
Luiz também deixa a casa e caminha em direção a Marta. Traz consigo duas latas de cerveja.
- Quer uma?
- Ah, obrigada! Eles ainda estão lá, relembrando os maravilhosos tempos de infância?
- Sim, estão se divertindo horrores.
- Pois eu, não.
- Você é muito difícil de agradar.
- Não sou não. Eu apenas gostaria de me incluir na conversa, mas não participei dessas histórias.
- Eu entendo.
- Você acha que há algo entre os dois?
- Creio que não. São apenas grandes amigos, praticamente irmãos.
- Assim espero. Não ia gostar nada de descobrir um caso entre eles.
- Hahaha, hipócrita!
- Hipócrita nada! O que há entre nós dois não é um caso, Luiz!
- Ah, você interpreta assim? Vai dizer também que não tem mais atração por mim, que essa armação toda de você vir aqui pra fora só para me dar um beijo não quer dizer nada?
- Eu ainda não te beijei...
- Questão de tempo. Termina logo esse cigarro.
- Pronto. Vamos um pouco mais pra lá onde eles não podem nos ver.
Enquanto isso, dentro da casa, os dois amigos continuam apenas amigos. Existe um grande elo de união entre os dois, um elo de carinho e respeito, acima de tudo. A cerveja, agora, os acompanha.

Cidade milagrosa!

Eis, mais uma vez, o trânsito caótico da chamada Cidade Maravilhosa. Maravilhoso! Calor, impaciência e stress reunidos dentro deste ônibus, pequeno demais para me conter dentro dele. As saídas de emergência me seduzem, sempre. Uma vontade louca de pegar esses martelinhos e estilhaçar janela por janela, assistir o espanto no rosto dos passageiros, todos com as mãos sobre os ouvidos gritando “olha esse moleque, tá doido, ô, ô, ô, rapaz!”, e eu nem ia ligar, porque se traficantes queimam os ônibus com pessoas dentro, porque eu não posso brincar com as janelinhas sem fazer mal a ninguém? Cidade Maravilhosa, ah!
De volta à realidade, garotão. Esqueça o mundo, esqueça o suor escorrendo pelas costas e molhando sua bunda. Esqueça, olhe ao seu redor e busque alguma razão para este dia existir. Uma televisão ligada dentro de uma loja exibe aquele famoso desenho animado, Cinderela, mas que contraste! Como se fosse um cinema ao ar livre, alguns meninos assistem ao filme sentados no canteiro da calçada, brilhando com poças de suor pelos corpos praticamente nus, perguntando a si mesmos se não seria uma miragem causada pelo calor. Estão fascinados. São crianças descobrindo a infância, finalmente, com seus cigarros empunhados, um reles brinquedo que solta fumaça ou um sinônimo de maturidade, prestam atenção, se empurram, riem e se divertem.
Eles não querem voltar à realidade. Isso mesmo, durante a próxima hora, esqueçam o mundo que lhes chuta no traseiro, esqueçam a falta de sorte e assistência. Vocês ainda são crianças e têm este direito. Levantem os braços e agradeçam o milagre oferecido pela Cidade Maravilhosa. São lágrimas nos meus olhos? Não, não, deve ser suor.

quinta-feira, novembro 23, 2006

Entrevista com o vampiro

“sabe, já faz tempo que eu escrevo letras de músicas. já fui muito ruim, tentava disfarçar escrevendo em inglês, que você pode escrever qualquer porcaria que fica legal, ainda mais quando se trata de rock, né? deve ser porque o rock foi feito em inglês e isso deixa as coisas muito mais fáceis. de repente eu percebi que talvez fosse legal arriscar rabiscar alguma coisa em português, afinal, eu passei a maior parte da minha vida fazendo redações para o colégio, todas escritas em português, claro, com exceção das redações das aulas de inglês que eu achava um saco, bem contraditório, eu sei. eu também não via nenhuma chance da minha banda se dar bem por aqui cantando em inglês, nem mesmo lá fora, éramos muito novinhos e nem tão bons. bem, escrevi umas músicas em português e foi difícil essa transição, usei muitas palavras escrotas como “pirraça”, “vacilou”, e isso não cai bem numa música de rock, mesmo sendo bastante sincero e tal, mas o pessoal gostou e gosta até hoje. eu não gosto mais. como tudo, com prática você acaba melhorando e acho que isso realmente aconteceu comigo, comecei a pensar mais em quais palavras escrever, tal como Hemingway, não é? pelo menos é o que dizem, que Hemingway ficava horas pensando na frase perfeita, escrevia e reescrevia a mesma frase milhões de vezes até ficar do jeito que ele queria. não, não chego a tanto.”
“...”
“de uns tempos pra cá, eu comecei a escrever textos aleatórios, sem muito compromisso, quer dizer, o único compromisso é comigo mesmo e minha autocrítica, e tomei o hábito de ler. tenho lido muito, devo ter lido mais de trinta livros esse ano, provavelmente. assim se aprende, assim você adiciona palavras ao seu vocabulário e, pô, eu decidi aprender a falar a minha própria língua, isso é estranho mas totalmente compreensível.”
“...”
“estar em contato durante mais tempo com as palavras ajuda muito a eloqüência, você não fica “moscando” meia hora tentando lembrar tal palavra, você simplesmente a substitui por outra, isso é muito legal. tenho muita admiração por um professor que tive na faculdade, o cara nunca parava de falar, digo, nunca emperrava com aqueles “ééééééé”, “aaaahhhmmmm”, “como é mesmo?”. o cara tinha palavra pra tudo!”
“...”
“pois então, eu tava fazendo a grade de horário na faculdade e tinha que pegar uma optativa, eletiva, sei lá, aí vi ‘Oficina de Texto’ e pesquisei sobre a matéria, perguntei para alguns amigos se eles já haviam feito essa cadeira, e alguns já haviam feito e dividiram opiniões. os jornalistas gostaram, a maioria dos publicitários não, porque diziam que era muito voltado para jornalismo. naturalmente, eu pensei. decidi arriscar e, agora que estou praticamente terminando a matéria, tenho também uma opinião positiva, apesar de estar me formando em publicidade período que vem.”
“aprendi, ou pelo menos exercitei mais os meus textos jornalísticos, mesmo não curtindo muito essa onda, mas com certeza é uma soma às minhas habilidades, hahaha!, ao mesmo tempo em que, no momento em que a professora liberou a possibilidade de escrevermos crônicas e textos livres, eu passei a escrever o dobro de textos que escrevia antes, espremendo o cérebro para arranjar assuntos interessantes – e muitas vezes não arranjei – e lidando diretamente com a criatividade, algo que eu prezo muito e considero uma das mais valiosas características de um ser humano.”
“mesmo já escrevendo letras em português há 6 anos, esta aula me incentivou a esmerá-las ainda mais, a fugir do óbvio e a driblar uma certa crise de inspiração que me assolava há uns meses, hehehe! agora já estou tentando bolar um jeito de escrever um texto de trás pra frente, de baixo pra cima. o problema é fazer com que ele tenha algum sentido! a língua portuguesa como um origami, eu devo ta ficando doente, um pouco mais doente.”
“...”
“sim, claro, escrevemos algumas resenhas e releases também, engraçado, porque também é algo que eu costumava fazer direto. enquanto o pessoal tava naquela febre de fotolog, eu fiz um pra mim e comecei a resenhar alguns CDs que tenho na minha coleção. a galera adorou e muita gente passou a conhecer algumas bandas por causa do meu fotolog de resenhas. releases, eu já enjoei de escrever releases para as minhas bandas, aliás, o último que eu escrevi eu gostei muito. é um release interessante porque conta praticamente toda a história da banda num texto sem pontos finais, dividido somente por vírgulas e alguns parênteses, o que dá mais velocidade ao texto e prende bem mais a atenção de quem lê. acho isso legal, fugir dos padrões, bater na cara do óbvio e do modelo. eu espero que outras pessoas que tenham feito essa aula de Oficina de Texto tenham pulado esse muro também. o problema é que, cá pra nós, jornalistas, em geral, são muito caretas e metódicos, muito disciplinados. falo mesmo!”