"Noite. Por volta de 23:30. Algum bar ou boate, com muita gente arrumada, perfumada e aquela coisa toda, bebida rolando e o pessoal falando besteira pelos cotovelos. São Paulo, Rio de Janeiro, não sei, alguma grande capital. Um homem e uma mulher. Um rapaz e uma moça, uns vinte e tantos anos, menos, vinte. Ele é mais velho que ela, pouquinho mais. Estão na fila, esperando para entrar no tal lugar. Ele olha mas ela não percebe. Está conversando com as amigas, gesticulando, tagarelando, ignorando todos os desconhecidos. Linda, jovem, sensual, saia, pernas, cintura fina, salto alto. Se fosse loira seria muito óbvio e estereotipado, mas é morena. Ri, sorri e ajeita seu tomara-que-caia inúmeras vezes. Ele percebe e torce para que realmente caia. Coça a barba e dá um risinho abafado para si mesmo, olha para o chão, para o lado, para ela, para trás, se desculpa pelo esbarrão com alguém.
A fila anda e ela entra. A dona do pedaço. Após 7 ou 8 pessoas ele entra também..."
"É importante decidir. Seria uma boate ou um bar?"
"O bar de uma boate, que tal?"
"É, é..."
"Pois então, a música está alta, ele entra e imediatamente procura sua presa. Encontra um amigo, mas trata de imediatamente se desvencilhar deste empecilho. Decide comprar algo para beber. Ela está no bar."
"Sim!"
"Ele pede uma cerveja. Enquanto dá o primeiro gole, espia de lado e vê a moça ficar sozinha. Suas amigas vão dançar enquanto ela revolve o conteúdo da bolsa. Ele se aproxima e pergunta se pode lhe pagar uma cerveja. Ela levanta o rosto, sorri e diz que não toma cerveja. Prefere uma caipirinha ou uma tequila."
"Ou uma margarita!"
"Margarita é legal também. Gosta de margarita? Sim, ela gosta e aceita. Ele pede. Pergunta seu nome. Ela responde sem perguntar o dele. Ele se apresenta. Faz faculdade? De que? Ah, que legal, conheço fulano que também estuda lá, você o conhece? Risos. Mais algumas trivialidades, mais alguns sorrisos. Chega o drinque dela. Veio sozinha? Legal, legal. E então ela atende o celular. É uma das amigas que estão na boate. Ele apenas observa. Unhas longas, pintadas estilo francesinha, perfume importado, cabelo longo e brilhante. Desliga. Oi de novo. Ela prova o drinque e trinca os olhos. Escorre uma lágrima. Ele a seca. Não está boa? Muito forte? Ela diz que está ótima, que assim que é bom, forte. Respira fundo e dá outra golada. O que faz uma bela menina como ela numa boate? Veio para dançar ou pra procurar alguém? 'Vim pra dançar, me divertir', algumas gírias, um jeitinho meio chato de falar até então imperceptível. Termina o drinque e pede outro, deste vez por sua conta. Ele acompanha com a cerveja e se apóia no balcão.
O telefone dela toca outra vez. Ela pega o aparelho cheio de bichinhos pendurados, e atende com um 'alô' meloso. As amigas mais uma vez. Desliga. Pega a nova margarita, lambe a borda do copo como um pirulito e enche a boca com o álcool. Em dois goles, o líquido some. Ele se endireita e se intimida. Puxa mais um assunto pelo qual ela não se interessa muito. Dura pouco. Ela pergunta as horas e pede licença para ir ao banheiro. Sem problemas, ele espera. Ela demora muito para voltar e então ele percebe que ela está conversando com outro cara do outro lado do bar. Está bebendo uma caipirinha, mexendo o gelo e o limão com um canudinho azul. Ele pede outra cerveja e deixa a menina pra lá."
"Sim, e aí?"
"É, aí tem que bolar o resto."
"O resto? O que você bolou é o resto. Você não disse nada!"
"Bom, descrevi a personalidade da garota."
"Você acha?"
"Sim, eu acho. Ela é uma dessas meninas fúteis de boate que não pensam em muita coisa e só querem beber às custas dos caras."
"Não achei ela fútil."
"Não?"
"Não. Achei ela bastante inteligente."
"O quê? Por que?"
"Porque sim, oras. Ela bebe de graça e não liga pros caras. Tá ali só pra se divertir e consegue."
"Ah, e você acha a atitude dela bastante válida, muito inteligente?"
"Uhum."
"Meu Deus, você acha isso normal?"
"Acho sim."
"Em que mundo eu vivo? Será que só eu acho isso uma futilidade?"
"Defina fútil."
"Fútilo, fútil! Pessoas frívolas, que pensam em coisas que não têm a menor importância..."
"...defina importância."
"Bom, coisas com cabimento, sei lá, coisas importantes, todo mundo sabe como são."
"Pelo visto, você não sabe. É porque a importância é relativa."
"Que seja. Na minha opinião, os ideais dessa menina não têm a menor importância."
"A sua história é que não tem a menor importância. O que você quer dizer com ela?"
"Queria descrever a futilidade moderna, a fugacidade dos relacionamentos, a falta de importância dada a isso tudo."
"Ninguém vai ler isso aí porque é fútil."
"Fútil? É fútil encarar e falar da vida moderna?"
"É, não tem importância. Ninguém quer saber."
"Ah, nossa..."
quinta-feira, julho 02, 2009
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