segunda-feira, agosto 04, 2008

Foi o médico quem disse...

ela entrou primeiro,

uns 40 e tantos anos e peitos enormes.

um deles era torto.

silicone.

muito dele.

depois entrou o marido

e então a porta do elevador se fechou.


"o médico falou que você não pode fazer ginástica",

ele disse,

"só se eu não me sentir bem, mas eu tô ótima",

ela disse.

"não pode",

"eu vou fazer ginástica, sim",

ela afirmou.


olhei pra baixo.

ela tinha pés enrugados,

tenebrosos e curtos dedos velhos

que sustentavam uma velha garotona.


em cima em cima,

embaixo em baixa.


"o médico disse pra você não fazer ginástica".

"aaawwwhhh, não faz isso comigo, nããão",

ela miou.


o casal saltou na garagem

e a ascensorista se pôs a rir

e eu ri e

a outra moça que também estava no elevador também riu.


"nunca vi... essa deve puxar o peso mais pesado da academia",

a ascensorista desabafou.


eu ri,

a outra moça riu

e a ascensorista riu.

todos rimos

mas no fundo

queríamos mesmo era chorar.

terça-feira, abril 15, 2008

O início

*este texto foi escrito para a edição de lançamento da Revista Zero, um projeto idealizado por um amigo. a idéia era utilizar os conceitos de "novo", "início", "primeiros passos", etc...*

o início. a inércia. tudo parte de um incentivo, de um empurrão ou de um "porra, mermão, faz logo essa merda". é mais ou menos por aí que começa minha pequena história.

os pais de Hiulio sempre quiseram ter um filho, mas a Sra. Narfz não conseguia engravidar. após uma cirurgia, perto de completar 10 anos de casamento com o Sr. Narfz, a futura mãe de Hiulio viu seu sonho tornar-se real e foi presenteada com o aparecimento de um muleque em seu ventre, o seu muleque.

nada é tão simples quanto parece, então o garoto decidiu se enforcar com o cordão umbilical poucos meses antes da previsão natal - "será que o menino terá tendências suicidas, meu pai?" - e teve de ser arrastado mais cedo para o mundo daqui de fora, decisão tão cruel e prematura que fez o menino chorar e fechar a cara pelos próximos 3 anos. o reveillón de 84 jamais seria esquecido pelos presentes, a não ser devido a uma possível amnésia alcóolica.

o singelo fato de ter conseguido nascer foi encarado como uma dádiva, uma concessão sob alguma rude ordem superior e os olhos de um supervisor atencioso. uma mijada fora do penico e BUM!, tá fora, amigão. no entanto, Hiulio nunca fez muita questão de seguir as regras. levava a arte da argumentação nas veias, o inconformismo nos olhos e a ânsia pelo ideal em seus atos, mas sem deixar de agradecer a oportunidade de ser mais um nesta terra injusta em meio a tantos oprimidos.

por que injusta? até o presente momento ela fora bastante generosa com ele. nunca passou por apertos financeiros muito fortes, sempre teve o que comer e o que vestir, amigos e belas namoradas, uma boa família... mas sentia-se diferente, comovido com os erros ao redor. a cidade lembrava-lhe um cenário teatral amarelado, mofado, rasgado e imundo, claustrofóbico.

a compaixão é uma fiel parceira que lhe mareja os olhos quando simula a infelicidade alheia. imaginou-se tomando banho debaixo de uma daquelas calhas quebradas, caçando algum resto de comida ou um copo com um restinho de açaí no fundo de uma lixeira, tentando ajustar uma bituca de cigarro amassada entre dois dentes podres em sua boca desdentada, falando sozinho com os braços erguidos numa esquina qualquer, sendo ignorado, repudiado e despertando asco em todos que passavam por ele. é preciso vencer, no entanto, a conseqüência da derrota não deveria ser esta infelicidade e humilhação brutal.

conseguiu livrar-se do trânsito e deixou sua divagação evaporar. saltou do carro e olhou ao redor do estacionamento, um enorme pátio com chão de brita. um raio de sol escapou por entre as folhas das árvores e lhe tocou o rosto. bateu a porta do carro e desceu a rua. no caminho para o trabalho, ouviu o canto óbvio, estridente e distante de uma cigarra. torceu os lábios e sorriu. tudo parecia estar bem.